Olá a todos que me leem, depois de algumas conversas com o Carlos Alexandre e da autorização do Elienay, aqui começo uma pequena série sobre roteirismo, noção básica e técnica. Serão, ao todo, cinco postagens (noções básicas, narrativa, personagens, diálogos [suas funções] e conceitos finais), nelas eu irei apenas explicar sobre construção de roteiros para aqueles que estão tendo dificuldades para por suas ideias no papel. A ideia é apenas trazer um conhecimento superficial, não entendam isso daqui como substituição a livros, cursos e pesquisas profundas, apenas dou aqui um primeiro passa; caso queira conhecer mais, o universo é bem profundo e merece ser pesquisado.
NOÇÕES BÁSICASMuitos pensam que roteirismo está constituído apenas em cima de histórias; de fato, grande parte da existência da prática está constituída em cima da capacidade de narrar uma história, porém roteirismo não é só isso. Quando um escritor escreve um livro ele dialoga diretamente com aquele que o lê, é linguagem escrita para ser facilmente acessada; agora pense, quantos roteiros você já leu? Digamos que você já tenha lido alguns, ainda assim, eles são poucos se comparado aos livros (HQs não contam, apenas livros em formato mais básico), e o motivo é bem simples: roteiros não são escritos tendo em vista o público final, ele dificilmente irá ler o seu texto na íntegra. O roteiro é uma representação escrita de uma outra linguagem, no nosso caso, linguagem visual, e, mais específico, uma comunicação direta com o desenhista. Para entender melhor essa linguagem (que é bem simples quando vista em prática) e como ela é recomendada aqui, basta
ver este tutorial aqui.Não irei apontar o que você deve por ou não por no quadro, ainda que eu goste de escrever e tenha criado um estilo próprio que me agrada, isso é uma função que pertence apenas a você, então o maior conselho para essa primeira parte é o seguinte: leia várias HQs (de preferência as suas favoritas) e entenda como funciona os quadros que você gosta, tenha uma noção crítica daquilo que lhe agrada e passe isso para os seus roteiros. É um exercício bem simples, ler HQs irá te ajudar muito a construir HQs, assim você saberá quantas linhas de diálogo colocar, quando um diálogo deve mudar de quadro e outras coisas ligadas a descrição do quadro; passe quanto tempo você achar necessário para imaginar como aquele quadro que você vê pode ser descrito, logo você estará com total controle sobre os quadros.
Já está com domínio do que escrever para cada quadro? Então a primeira parte está completada, e ela não será difícil para vocês, já que é comum a leitura de HQs, logo a linguagem é facilmente emulada; se ainda está com dificuldade, treine mais um poucos, você conseguirá domínio em dois ou três dias, no máximo. Como eu disse no início, roteirismo não é só a capacidade de narrar histórias, e isso acaba indo um pouco além da questão da linguagem, a construção ou transposição de tramas está ligada a capacidade de analisá-las.
Este é Homero, homem que possivelmente nunca existiu e que é o alicerce básico para qualquer noção de construção de tramas. A ele estão encarregados os créditos da Ilíada e Odisseia, aqueles que podem ser considerados os poemas e narrativas escritas mais antigas conhecidas pela sociedade ocidental, assim como definição de todas as tramas que viriam a seguir: toda a narrativa é uma Ilíada ou uma Odisseia (ou ambas juntas). A primeira, a Ilíada, conta a história da Guerra de Troia, narrando o embate entre duas forças, enquanto a segunda, Odisseia, narra a trajetória de Odisseu de volta para a sua terra natal, que ocorre logo após o fim da Guerra de Troia. Poderíamos dizer que as Ilíadas são filmes de guerra documentais (não documentários) e Odisseias são road movies.
Quando for criar uma história, tenha em mente que ela sempre terá tais elementos, nenhuma irá fugir a regra. Num exemplo básico, temos O Senhor dos Anéis, onde a narrativa se separa em As Duas Torres, tornando bem claras a constituição paralela de uma Ilíada (guerra direta com as forças de Sauron) e uma Odisseia (trama de Frodo e Sam levando o anel até Mordor). Mas também tem que se ter em mente que uma Ilíada não necessita de um embate físico, podendo ser um embate de ideologias, e as Odisseias podem ser uma viagem da personagem de um estado primitivo (início da trama) para o seu estado final, com personalidade alterada, não apenas uma viagem física.
Esta divisão está clara em vários roteiros. Em Matrix temos uma Ilíada (luta entre humanos e máquinas) e uma Odisseia (trajetória da personagem Neo); em O Curioso Caso de Benjamim Button vemos apenas uma Odisseia, narrando a vida de um homem, sendo o seu início e fim marcados pelo seu nascimento e morte; já em Piratas do Caribe: O Baú da Morte, o caráter de Odisseia foi suprimido, já que ele intenta em lançar uma disputa feita por personagens já conhecidos que não irão evoluir (mudar ou ser melhor conhecidos pelo público) durante o filme. Logo uma coisa fica clara para a construção de seu roteiro: ele terá que ter o embate entre duas forças (não necessariamente bem e mal, ainda que estejamos acostumados com o formato) e/ou a evolução de uma ou mais personagens (mas não confunda evolução com "melhora").
Pensei em começar logo a explicar sobre curvas dramáticas, pontos de virada e evolução do roteiro, deixando o próximo tutorial mais livre para explicar sobre artifícios narrativos, mas vejo que é melhor deixar tudo condicionado para o próximo, assim fica mais organizado e já explicarei de forma mais concisa para esse ideal de embate/ evolução funciona dentro de uma trama; caso fique muito comprido explicar os artifícios narrativos, deixarei alguns para o último dos cinco tutoriais.
Luís Eduardo Santos 03/06/2013